domingo, 23 de setembro de 2007

Pergunte sempre: A quem interessa?



Por Jorge Serrão

Qual o real interesse da cúpula das Organizações Globo – representada pelo jornalista Ali Kamel - em comprar uma briga contra os livros didáticos, adotados pelo MEC, que teriam tendência esquerdista? Será que a máquina global teve um surto de defesa do pensamento conservador, ora em desvantagem contra o realismo canhoto? Ou será que a Editora Globo está querendo atacar a concorrência editorial para fazer com que as escolas e os professores adotem os livros por ela produzidos, que seriam melhores e sem ideologias?

Ali Kamel baixou a marreta, especificamente, em um livro da editora Nova Geração: “Nova História Crítica”, escrito pelo professor de história Mário Schmidt, lá da cidade de Niterói. O Livro foi classificado por um outro editorial de O Globo como "lixo ideológico que submete estudantes a lavagem cerebral". Nenhum dos produtos das organizações Globo – e de suas congêneres – também fazem isto? Responder a tais questões é fundamental para entender bem a história da polêmica instaurada.

A versão de Ali Kamel e de O Globo sobre o livro vem sendo requentada e reproduzida por vários jornais do País e por muitos articulistas respeitados. O problema é que nem todos tomaram o devido cuidado de ler o livro didático criticado, antes de xerografar (como verdade absoluta) o que foi proclamado como verdade pelo dirigente da Rede Globo. Escrita em linguagem para jovens, bem coloquial, a obra atacada traz opiniões polêmicas do autor sobre personagens da nossa história – tradicionalmente vendidos como “ídolos” ou “heróis”. Leia: O livro didático que a Globo quer proibir

O conteúdo da obra do Mário Schmidt (que é um anti-academicista) vai gerar mil anos de polêmica. Aliás, qualquer livro de história tem de fazer isto. É preciso deixar bem claro que o problema não é conteúdo ideológico do livro. Mas sim a leitura que se vai fazer dele – sobretudo em uma sociedade ignorante como a nossa, na qual a classe de maior poder aquisitivo e escolaridade também é avessa a leituras. Por isso, é perda de tempo condenar o livro por seu conteúdo ideológico. É igual ao corno que taca pela janela o sofá da sala (onde a mulher o traiu).

No Brasil, a influência ideológica é evidente na historiografia. E varia conforme as simpatias ideocráticas do poder vigente. A tendência do livro de história é refletir o modo de pensar em vigor no momento histórico. A moda pós-64 é o pensamento da esquerda, que vence, por enquanto, a batalha ideocrática contra a linha anti-comunista. Durante o Estado Novo, os livros de história refletiam a simpatia do regime daquela época pelo fascismo-nazismo-integralismo. O papel impresso aceita tudo.

Em resumo: a história é contada de acordo com os interesses de plantão e conforme as visões em moda numa determinada época. Sempre foi assim. Geralmente, valem as versões, e nem sempre os fatos. Os regimes autoritários ou a caminho do totalitarismo adoram promover a lavagem cerebral dos jovens, sobretudo a partir do ambiente da escola. Fabricam as versões da história conforme lhes convêm. A tentativa de doutrinação – quase sempre eficiente – é feita com as ideologias que interessam aos eventuais poderosos de plantão.

Quem tem a ilusão de que vai encontrar a verdade histórica lendo um único livro pode se mudar lá para Taubaté, para a morar com a famosa velhinha crédula. Aliás, o brasileiro peca por não ler. Nossas oligarquias letradas pecam, mais ainda, por lerem, mas não terem capacidade de entender o que leram. Analisam tudo com mecanismos e conceitos equivocados ou distantes da realidade. Nossas “zelites” são ignorantes na compreensão histórica. Raciocinam com o intestino – e não com o cérebro. Exatamente por isso repetem tanta escatologia histórica. E ainda acham que tem razão...

Eis por que o Brasil não aprende com seus próprios erros históricos. Outro fato grave é a mania que a pretensa intelectualidade brasileira tem de adotar “idéias e ideologias completamente fora do lugar”. Por aqui, se um conceito mal explicado virou moda na Europa ou nos Estados Unidos, logo os gênios tentam aplicá-lo aqui, para “explicar” a realidade brasileira. O resultado disto é digno de puxar a descarga da Zelite (aquele famoso vaso sanitário). O fenômeno da adoção das ideologias (fora do lugar) por aqui é bem ilustrativo.

Ideologia é "um conjunto de idéias, pensamentos, doutrinas e visões de mundo de um indivíduo ou de um grupo, orientado para suas ações sociais e, principalmente, políticas". As ideologias servem como mecanismos políticos de dominação, manipulação e controle das massas, através da padronização e simplificação das idéias. As ideologias podem ser boas ou ruins – como bem ensinou o comunista e revolucionário italiano Antônio Gramsci. Um sujeito muito citado, mas realmente pouco estudado por seus áulicos da chamada esquerda ou por seus inimigos mortais da chamada direita.

O problema é que o emprego de uma ideologia tem a capacidade de criar uma “falsa consciência” sobre a realidade, numa ação psicossocial que visa a reforçar e perpetuar a dominação, o controle e a manipulação. Quando isto acontece, as ideologias se transformam em ideocracias. O conceito é academicamente inédito. Ideocracias são os modelos ideológicos aplicados na prática para a conquista e manutenção do poder.

As ideocracias atuam sobre a “vida” e a mente dos seres organizados socialmente. As ideocracias querem o poder. O discurso ideocrático é retórico. Aposta suas fichas na persuasão. É voltado para uma ação pragmática. Entendido tal conceito, o conflito esquerda-direita se reduz a uma imperdoável perda de tempo mental. Torna-se papo de otário. Os brasileiros deveriam estudar mais. Ler e compreender aquilo que está lendo. Usando conceitos e mecanismos corretos. Do contrário, vira escravo das ideocracias de plantão ou na moda.

O filósofo Olavo de Carvalho deu uma aula sobre o assunto e fez uma importante advertência aos incautos mal letrados da nossa pseudo intelectualidade, no artigo “A ideologia da anti-ideologia” (no Diário do Comércio em 10/09/2007): “O mal não está na mera existência do pensamento ideológico, nem mesmo na sua onipresença na vida social. O mal aparece quando as esferas de atividade que deveriam ser orientadas por formas de pensamento mais exigentes e mais voltadas à descoberta da verdade se deixam infectar de ideologismo, como acontece, no Brasil, com a quase totalidade do que se produz sob o rótulo de “ciências sociais”. Mas a adesão mesma de tantos acadêmicos e consultores empresariais ao pragmatismo supra-ideológico é um sintoma desse mal”.

As ideologias existem. Sempre vão existir. Um mundo sem ideocracias seria um mundo sem política. Tal mundo não existe – e não ser na cabeça de imbecis mal intencionados politicamente. Cada um tem a liberdade de abraçar a ideologia ou ideocracia que achar mais conveniente. Todos têm o direito de defender sua linha de pensamento, sem ser reprimido ou perseguido por isto. O sujeito só precisa saber dos perigos objetivos deste abraço e desta defesa ideocrática. Até porque o mundo é cruel com os ignorantes.

O Brasil não pode mais perder tempo com batalhas ideológicas de Itararé. Tais disputas só provocam mais ódios. Só geram mais divisões artificiais. Apaixonados pelas ideologias, os sujeitos sociais deixam de pensar no interesse maior do Brasil e dos brasileiros. Passam a agir igual aos fanáticos e vândalos torcedores de times de futebol.

O comportamento de brigar pela ideologia – tal como um torcedor aloprado – só desvia os brasileiros do foco. O alvo seria cuidar da nossa Nação e, principalmente, do nosso povo. Mas, como perdemos o foco com ódios fora do lugar, os reais controladores do Brasil se aproveitam de nossa eterna divisão para nos manter artificialmente na miséria. A Oligarquia Financeira Transnacional se locupleta com a nossa ignorância.

A linha editorial do Alerta Total vai sempre lembrar repetir: Temos a opção de deixar as briguinhas ideocráticas de lado e pensar um projeto nacional para o Brasil. As auto-proclamadas esquerdas e direitas nunca fizeram isto. Os radicalóides extremistas de ambos os lados detestam pensar o mundo real do País. Eles preferem as soluções autoritárias e centralizadoras do Estado – que só agravam nossos problemas. Afinal, somos uma sociedade inventada por um Estado – e não o contrário.

A linha editorial do Alerta Total vai ressaltar até a assimilação desta necessidade pelo mais turrão leitor: O Brasil precisa de um projeto nacional com base na construção da Democracia – coisa que nunca tivemos por aqui, em 507 anos de Brasil. O conceito é bem simples: Democracia é a prática da segurança do Direito, através do exercício da razão pública, que é a cidadania em ação. Sem antes cuidarmos disto, qualquer discussão ideocrática é mera babaquice.

O fundamental na construção democrática é sempre questionar: a quem interessa tal ideologia ou ideocracia de plantão? A quem interessa tal versão dos fatos? Assim deve agir o jornalismo estratégico e inteligente. A pergunta é a chave para os mistérios da caixa preta da história. Quem não pergunta perde o bonde (ou jato) da história. Afinal, vivemos no mundo pontocom, onde tudo passa rapidinho. Perguntar só ofende aos bandidos da história. Mas eles acabam sempre desmascarados quando tentam omitir a resposta.

Por isso, perguntemos, questionemos, duvidemos sempre. Provocar os idiotas, os poderosos de plantão e os netos da puta é uma ação fundamental para a evolução sadia e livre da história.

Jorge Serrão, jornalista radialista e publicitário, é Editor-chefe do blog e podcast Alerta Total. Especialista em Política, Economia, Administração Pública e Assuntos Estratégicos. http://alertatotal.blogspot.com e http://podcast.br.inter.net/podcast/alertatotal