segunda-feira, 23 de abril de 2007

Operação Têmis: Suspeita sobre juízes começou no mensalão


Folha de S. Paulo


O primeiro sinal de que havia corrupção e venda de sentenças no Judiciário Federal em São Paulo surgiu em 2005, nas investigações do mensalão -o esquema de financiamento a parlamentares do PT e da base aliada denunciado pelo deputado Roberto Jefferson(foto) PTB. Um dos acusados beneficiado com acordo de delação premiada -cujo nome é mantido em segredo- confessou, na PGR (Procuradoria Geral da República), em Brasília, que fizera a intermediação de pagamentos ao juiz federal Manoel Álvares, em 2004.No período em que substituiu Roberto Haddad no Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em São Paulo, Álvares trabalhou com a mesma equipe do desembargador afastado. Em agosto de 2006, deixou o cargo (Haddad somente viria a reassumir o cargo em janeiro deste ano). Álvares sofreu um infarto, foi hospitalizado e tirou férias.Aquele depoimento feito em Brasília foi enviado pela PGR ao TRF-3. Foi aberto um inquérito sigiloso, inicialmente relatado pelo desembargador Carlos Muta e conduzido, depois, pelo então vice-presidente da corte, desembargador Baptista Pereira.Em meados de agosto de 2006, Baptista Pereira deferiu pedidos de diligências do MPF (Ministério Público Federal). Foi autorizada a interceptação de telefonemas e a oitiva de pessoas. Nesses depoimentos, surgiram os relatos de transações envolvendo outros juízes de primeiro grau.Segunda pernaNum segundo momento, a Procuradoria da República, em São Paulo, recebeu correspondência anônima, que anexava nota fiscal de valor elevado emitido por uma empresa fantasma. As investigações indicaram que o documento se destinava a dar cobertura a pagamento de uma suposta propina à desembargadora Alda Maria Basto Caminha Ansaldi, do TRF-3, relativa a uma decisão também na esfera tributária.A nota fiscal, emitida a título de prestação de serviço, era da própria tomadora do serviço. O MPF requereu, então, à Receita Federal a instauração de procedimento para apurar a simulação.



Foram identificadas outras notas irregulares.Como a desembargadora tem direito a foro especial, o inquérito subiu para a Procuradoria Geral da República, em Brasília, passando a tramitar no STJ (Superior Tribunal de Justiça).As interceptações telefônicas no inquérito instaurado pelo TRF-3 revelaram que o escritório de Luiz Eduardo Pardo havia feito a intermediação tanto das decisões que envolviam a desembargadora Alda Basto quanto as proferidas pelo juiz Manoel Álvares, reveladas em Brasília com a delação premiada. O MPF vislumbrou, então, uma organização criminosa atuando na Justiça Federal.Mesma organizaçãoO ministro Felix Fischer aceitou a manifestação do MPF, que sustentou haver conexão entre os fatos apurados envolvendo o juiz Manoel Álvares e a desembargadora Alda Basto. Ou seja, o inquérito passou a apurar a suspeita de que se tratava de uma mesma organização criminosa.O retorno de Haddad às atividades como juiz foi marcado por discrição. O fato não foi noticiado nem pelo STF nem pelo tribunal federal em São Paulo. Consultado, o TRF-3 não informou o número da portaria que formalizou sua recondução. O envolvimento dele na Operação Têmis despertará a atenção sobre o julgamento de habeas corpus, no Supremo, que permitiu o reingresso do desembargador. O MPF tenta reverter a decisão. Haddad havia sido afastado em 2003, por decisão unânime do STJ, acusado de falsificar documentos para ocultar a sonegação de impostos.

CONVENCENDO PAULO MOURA


Por Augusto de Franco


Dou continuidade à instrutiva polêmica iniciada neste site com o cientista político Paulo Moura. Para quem não acompanhou o debate até aqui, faço um pequeno histórico. No dia 4 de abril publiquei um artigo intitulado "Um governo fraco". No dia 15 de abril, Paulo Moura teceu bons comentários sobre esse primeiro artigo no texto "Estamos fritos, Augusto", concordando basicamente com meus argumentos e avançando outros para concluir que "o PT estará no poder por longo tempo". Repliquei um dia depois com o artigo "O desafio que temos pela frente: resposta a Paulo Moura". Paulo treplicou na última quinta-feira (19/04) com o artigo "Augusto de Franco e a luz no fim do túnel". Bom, foi aí que começou propriamente a polêmica. Paulo diz que está "disposto a ser convencido" seu eu lhe "conceder o prazer de prosseguir na polêmica". Sim, não apenas concedo – o prazer é meu – como acredito, pelo pouco que conheço de suas idéias e de sua postura, que ele será convencido. O QUE NÃO ESTÁ EM DEBATE: Não está em debate, como o próprio Paulo corretamente aponta, "a caracterização do quadro nacional, as críticas à oposição e as ameaças à democracia e à liberdade perpetradas pelos neopopulistas no poder". Nisso tudo, felizmente, estamos de acordo. E já não é pouco. AFASTANDO OS EQUÍVOCOSTambém é bom retirar do debate os equívocos originados por incorreta interpretação (de Paulo) e/ou por deficiências da exposição (de Augusto). O primeiro equívoco é confundir 'redes digitais' com 'redes sociais'. Rima, mas não é a mesma coisa. No meu último artigo não estava falando da Internet. Aliás, mesmo se quisesse falar de tecnologia digital, não precisaria falar da rede mundial de computadores. Bastaria falar do telefone celular. A base de celulares no Brasil atingiu 102 milhões de unidades em março, o que representa um avanço de quase 1 milhão de unidades sobre fevereiro. A continuar nesse ritmo – e vai – poderemos ter mais celulares do que habitantes antes do final de 2010. Mesmo hoje não se pode dizer que a sociedade brasileira está "desplugada": não está, na medida em que temos em média mais de 1 celular para cada 2 habitantes. A conexão não tem a ver com o acesso ao computador, nem mesmo com a capacidade de ler e escrever. Redes são sistemas de conexões. Se quisermos uma boa (e precisa) definição, lá vai: 'redes são múltiplos caminhos'. Ora, existem redes sociais desde que existe a sociedade humana: o que varia é a topologia, ou seja, o grau de distribuição dessas redes. E o fenômeno contemporâneo mais significativo, da possibilidade de conexão em tempo real (ou sem-distância) que acelerou a emergência de uma nova fenomenologia social, atípica e inédita, tanto pode ser viabilizado pelo e-mail e pela blogosfera, quanto pela telefonia celular. O fenômeno recente da eleição de Zapatero, por exemplo, que virou uma eleição considerada ganha pelo partido de Aznar, em 48 horas, teve muito mais a ver com um swarming civil provocado por "torpedos" celulares do que por e-mails e notícias em sites e blogs. Mas mesmo em termos do acesso a Internet via computador, o Brasil já tem 32,1 milhões de usuários. Ou seja, quase 20% da população brasileira – praticamente, em média, uma pessoa em cada domicílio ou local de estudo ou de convivência ou de lazer – está conectada via computador. Como cada pessoa – por efeito de um fenômeno chamado clustering na rede social (atenção, novamente: não me refiro à rede digital, e sim à rede social mesmo) – tem relação próxima e recorrente com, pelo menos, outras dez pessoas, é impossível, a não ser em regiões muito distantes ou deprimidas da Amazônia, do Vale do Jequitinhonha ou de outros bolsões no chamado polígono das secas, que uma população local se encontre isolada, desconectada ou "desplugada" (em termos sociais). Esse quadro tende a mudar rapidamente como resultado da convergência de tecnologias no telefone celular e aqueles 60% da nossa população que já estão conectados via celular poderão em breve navegar e, inclusive, publicar, se quiserem, na Internet, sem precisar de computador para nada e – o que é mais relevante – praticamente sem custo.



O segundo equívoco que devemos liminarmente afastar para não atrapalhar o debate é imaginar que estou propondo "um negócio quase anárquico, sem governo, uma sociedade governada por plugados desorganizados". Se passei tal impressão, perdão: me expressei mal. Não propus nada disso. Não quis dizer, apenas, que o modo de fazer política – e inclusive de fazer oposição democrática – nas circunstâncias do Brasil atual não pode ser o mesmo que praticávamos em tempos passados. Isso, aliás, chega a ser meio óbvio. PSDB e PFL não têm a menor condição de disputar com o PT(foto) bases organizadas segundo um padrão tradicional, top down, de organização corporativa, reivindicativa, reativa, setorial (composta por movimentos sociais, sindicatos, centrais, associações profissionais e ONGs, os quais, em mais de 80%, não por acaso, fizeram a campanha de Lula ou votaram nele 8 vezes seguidas nas últimas eleições). Por isso falei (o óbvio) que as oposições deveriam se dirigir à sociedade desorganizada (que, como vimos acima, não é tão desplugada como avalia Paulo Moura). O que quis dizer – pelo visto sem me fazer entender – e que é o sistema político tradicional (e não o acesso aos meios tecnológicos ou a chamada exclusão digital) que impede o livre funcionamento da rede social. No fundo, esse equívoco está relacionado com o anterior (que confunde 'rede digital' com 'rede social'). Não são as mudanças tecnológicas (e Castells já gastou um tempo precioso nos explicando tudo isso, tim-tim por tim-tim) que produzem a mudança social em curso na contemporaneidade. E sim exatamente o contrário. As pessoas que desenharam o formato das novas TICs – e que inventaram a Internet, inclusive – só as conceberam dessa forma interativa, libertária e praticamente imune ao controle exercido por uma instância vertical de poder, porquanto souberam captar novas possibilidades sociais de efetivar mecanismos desse tipo. O QUE ESTÁ EM DEBATEAfastados os equívocos, duas coisas restam substantivamente no debate: 1) a natureza da transição em curso (bem como o seu ritmo e as tendências que projeta); 2) o que podemos fazer agora (que conterá minha "receita" final para convencer Paulo Moura). Passemos, de pronto, ao primeiro tema. Está ou não está havendo uma mudança social objetiva na contemporaneidade? Parece óbvio que a sociedade está mudando e que a nossa visão sobre ela também. Pode-se olhar essas mudanças como partes de um mesmo movimento: se uma nova ordem de fenômenos não estivesse se manifestando, não nos esforçaríamos para tentar analisá-los. Em contrapartida, se não tivéssemos desenvolvido novas maneiras de perceber e compreender os fenômenos sociais, não seríamos capazes nem de notar as mudanças que estão em curso. Mas não parece correto afirmar que a sociedade está mudando porque está mudando a nossa visão sobre ela. Em suma, há uma mudança social objetiva acontecendo no mundo contemporâneo. Sobretudo nas últimas décadas, a grande mudança é o aparecimento da chamada sociedade-rede, da qual o cidadão está emergindo como ator de uma maneira que antes não seria possível. O indivíduo que se transforma no cidadão conectado de uma sociedade civil que não mais se organiza apenas a partir de esquemas verticais de representação, está submetido a um novo fluxo de informações e conhecimentos – ele mesmo é um entroncamento, uma encruzilhada-nodo desses fluxos – mais velozes e densos do que jamais foi possível. A questão que se coloca é se isso não representaria uma volta ao individualismo (egoísta), um retrocesso em relação às formas anteriores de participação social (altruísta). Tudo indica que não: o cidadão que assume um papel de maior protagonismo na nova sociedade civil que está emergindo não é o clássico indivíduo do liberalismo e sim o novo cidadão conectado a múltiplas redes sociais e que, não raro, participa de novas comunidades de prática, de aprendizagem e de projeto. Essa nova sociedade civil que se desenha no mundo e no Brasil nos últimos vinte ou vinte e cinco anos devolve um papel maior ao cidadão que pensa com a sua própria cabeça, desorganizado do ponto de vista corporativo e partidário, porém mais conectado e mais informado. Isso significa que está havendo uma transição importante, daquele tipo de sociedade civil, composta por algumas organizações representativas de defesa de interesses ou mais ou menos alinhadas a ideários político-ideológicos, para um outro tipo de sociedade civil, composta por cidadãos mais independentes e autônomos, que participam como indivíduos do debate público e de iniciativas cidadãs voluntárias.


O indivíduo é encorajado a assumir um novo papel pelo fato de estar imerso em um novo ambiente interativo no qual pode ouvir a voz dos outros e fazer ouvir a sua voz. Ele é empoderado pelas redes sociais das quais participa mesmo quando não tem consciência da sua existência e não conhece suficientemente a estrutura e o funcionamento dessas redes. Mesmo que o cidadão ainda dependa, em grande parte, das organizações tradicionais para exercer um papel político institucional na sociedade e mesmo que nenhuma sociedade civil possa subsistir sem essas formas de organização mais estáveis que a estruturam, isso não significa que não estejam surgindo – com uma velocidade espantosa – novas formas organizativas articuladas em rede. Tudo indica que uma compreensão mais profunda das redes sociais acabará por tornar obsoleto o próprio conceito de sociedade civil. Não que não exista uma esfera da realidade social ou um tipo de agenciamento diferente do Estado e do mercado que mereça ser considerado, mas o que queremos dizer com o termo sociedade civil não dá mais conta de expressar adequadamente a natureza e o funcionamento da rede social. Confundindo sempre (talvez por culpa minha) 'rede social' com 'rede digital' (ou seja, mudança social com mudança tecnológica), Paulo Moura argumenta – como se fosse uma evidência – que "os profissionais do poder já têm meios de controlar a rede, de grampear e-mails, de destruir nossa imagem e reputação etc." Desculpe-me, caro Paulo, mas isso é rigorosamente falso. Não é possível controlar as redes digitais, sobretudo aquelas que conectam pessoas com pessoas ( P2P); na verdade, é impossível controlar inclusive a Internet (que ainda tem a topologia de uma rede descentralizada – quer dizer, multi-centralizada em um número limitado de provedores – e não distribuída), embora essa discussão seja lateral na medida em que estou falando das redes sociais e não das redes digitais. Todavia, sem querer Paulo teria razão ao dizer que as redes – se estivesse falando das sociais – podem ser controladas. Com efeito.


E esse controle é exercido (como ele próprio diz, "do mesmo jeito desde a Grécia Clássica, ou antes") pelo... por quem mesmo? Ora, pelo sistema político. Não, porém, pelos ocupantes da vez, pelo caráter do governante ou do seu partido situado no sistema político e sim pela forma como se estrutura e funciona esse sistema, pela sua natureza de mainframe que confere aos que se postam nos seus múltiplos centros ou filtros o poder de obstruir, separar e excluir. Então a nossa questão deve ser colocada nos seguintes termos: podem ser mudadas a morfologia e a dinâmica do sistema político? Ou, em outras palavras, é possível uma nova política? Ou, ainda, é possível reinventar a democracia nas condições do mundo contemporâneo (quero dizer, diante da mudança social em curso na contemporaneidade)? Se considerarmos que não existe uma mudança social em curso, não. E aí não nos resta alternativa senão nos rendermos à realpolitik e dizer que a política é o que é e/ou como sempre foi (desde os gregos, ou antes...). Dewey, com o qual terminei meu último artigo, há quase 70 anos – antes, portanto, de ter consciência da natureza da chamada "revolução tecnológica" do final do século passado – já havia percebido que não existe uma democracia mas um processo de democratização, que só pode ter continuidade se estiver aberto à criatividade e à inovação. Não citei John Dewey por acaso, mas para realçar que a defesa de uma forma particular de democracia – que paralisou o pensamento liberal – não basta, que a única forma de defender (e mesmo manter) a democracia é dando continuidade ao processo de democratização, inventando continuamente novas formas de construção e de verificação da vontade política coletiva. Por isso que Dewey foi o primeiro a reconhecer o caráter radical da democracia, o que significa sustentar a necessidade de radicalização – ou democratização constante – da própria democracia. Em suma, o que disse em meu último artigo foi: a) que, para fazer frente às ameaças que pairam contra a democracia (sobretudo a ameaça contemporânea do neopopulismo), é necessária uma nova política (e não apenas uma reciclagem da velha política, com a troca dos atores que ocupam seus postos principais); b) que só é possível defender a democracia e, ao mesmo tempo, contribuir para a emergência de uma nova política, por meio da democratização, ou seja, de mais-democracia; c) que tal esforço está coimplicado no esforço de aumentar o grau de distribuição das redes sociais (e não na aposta no padrão organizativo centralizado ou multicentralizado dos chamamos movimentos sociais, corporações, sindicatos, associações ou outras formas tradicionais de arrebanhamento de seguidores), o que significa enfocar e valorizar o cidadão desorganizado e conectado que compõe o imenso contingente da nova sociedade civil emergente neste dealbar do século 21. Passemos pois, para concluir, ao segundo tema: o que podemos fazer agora.MINHA "RECEITA" PARA CONVENCER PAULO MOURAPaulo Moura, quer ser convencido de que "é possível enfrentar essa gente sem disputar o poder de Estado, com candidatos alternativos e na TV de massas". Ele admite que, "no futuro pode até ser, hoje não". E argumenta: "para me convencer que a luta pelo poder pode ser diferente do que tem sido ao longo de toda a história da nossa civilização, Augusto, você vai ter que me convencer de que é possível uma sociedade sem governo e sem Estado". Creio que basta convencê-lo de que a política pode ser diferente do que (se diz que) sempre foi, sem cair no exagero de tentar sustentar a possibilidade de uma "sociedade sem governo e sem Estado". Até porque tivemos até agora - desde a 'Cidade-Estado-Templo' sumeriana até o 'Estado-nação' atual - umas cinco formas de Estado diferentes e, em todas elas, tivemos modos diferentes de fazer política. Certamente a última forma, o Estado-nação, não perdurará eternamente. Uma sociedade-rede vai forçar – mais cedo do que se pensa – o surgimento de uma espécie de "Estado-rede" como propôs Castells, mas esse não é o nosso assunto principal agora e sim de que maneira podemos contribuir para a emergência de uma nova política, cada vez mais democratizada. Se Paulo Moura me pedisse uma "receita" sobre o que fazer, a partir de agora, para reinventar a política a partir da emergência das novas formas de participação dos cidadãos, diria o seguinte: EM PRIMEIRO LUGAR não abrir mão da defesa da democracia realmente existente e das instituições do Estado de direito, não deixar de participar da vida política do país e da localidade onde vivemos e não desistir de lutar pela democratização do velho sistema político. Sei que Paulo concordará com esse primeiro ingrediente e não vou perder muito tempo tentando justificá-lo.


A democracia que temos é condição necessária (embora não suficiente, reafirmo) para alcançar a democracia que queremos. Em outras palavras, é impossível democratizar a democracia em autocracias, mas apenas no interior de regimes formalmente democráticos e essa é a grande contribuição da tradição liberal. Tudo isso implica vigilância democrática, resistência democrática e, também, luta democrática nos termos em que está colocada a disputa (apresentando candidatos com condições de se postar contra o neopopulismo e blá-blá-blá). EM SEGUNDO LUGAR, experimentar e disseminar inovações políticas que já podem ser ensaiadas em pequena escala, sobretudo na forma de pactos pela democracia local capazes de viger em redes comunitárias e setoriais de desenvolvimento. Qualquer pessoa inteligente é capaz de concluir, sem grande dificuldade, que o atual sistema político não mudará a partir dos esforços feitos apenas no seu interior. É necessário exercer uma pressão "ambiental", de fora para dentro. Ademais, é necessário introduzir na cena pública, de baixo para cima, novos atores políticos com a experimentação de novas formas de participação dos cidadãos: ensaiando e disseminando inovações políticas, articulando e animando redes cada vez mais distribuídas e capacitando uma nova geração de agentes convencidos da democracia como valor e dispostos a encarar o desafio de reinventar a política. Essa proposta de mega-reforma, obviamente, só é possível, nas condições atuais, em pequena escala, em localidades. Não é por acaso que em comunidades de projeto – articuladas em rede – estão ocorrendo as mais notáveis inovações políticas democratizantes da atualidade. Haveria muito mais o que dizer sobre esse tópico, mas o espaço deste artigo não permite. EM TERCEIRO LUGAR, articular e animar redes (netweaving ) – conectando pessoas-com-pessoas, com o grau máximo de topologia distribuída que for possível alcançar – independentemente do objetivo dessas redes.Não estou falando, repito pela terceira ou quarta vez, de 'redes digitais' e sim de 'redes sociais'. Seria zombar de nossa inteligência acreditar que podemos reduzir tudo isso a algum tipo de "guerrilha na rede" (pelo computador) ou "ficar sem candidatos e disparando spam", como – acredito – brincou Paulo Moura. Trata-se de abrir mão de replicar formas organizativas piramidais, verticais, baseadas no fluxo comando-execução. Ou seja, ao invés de engordar a velha burocracia corporativo-partidária e a nova burocracia associacionista (das ONGs, inclusive), apostar nas redes de pessoas, que conectem os tais 'cidadãos-desorganizados', uns com os outros, em prol de objetivos comuns, expandindo uma nova esfera pública não-estatal. Trata-se de mostrar, na prática, que o cidadão pode, sim, fazer política pública, que a sociedade pode tomar iniciativas coletivas, aumentando o seu protagonismo e o seu empreendedorismo. Não estou falando de coisas ideais, irrealizáveis, e sim de mudar a forma como nos comportamos política e administrativamente em termos orgânicos.


Estou falando de mudar a matriz de projetos, programas e ações governamentais e não-governamentais em todos os níveis. Tudo ou quase tudo que organizamos atualmente a partir do padrão-mainframe, pode ser reorganizado segundo um padrão-network, desde um programa de alfabetização de jovens até uma organização política. Podemos fazer isso sem computador e, inclusive, sem um único e miserável telefone celular. Já existe o telefone fixo, já existe o Correio e já existe – há alguns milhões de anos – a possibilidade de diálogo em um encontro presencial. Insisto: não é o meio tecnológico que faz o "milagre" e sim o modo de conexão e o grau de conectividade. Até com sinais de fumaça é possível democratizar procedimentos, ampliar a freqüência e a base de consultas de opinião, incorporar pessoas como sujeitos e transformar público-alvo e beneficiários em participantes voluntários. Se não o fazemos não é por efeito de qualquer "exclusão digital" e sim por força de uma cultura política e organizativa autoritária, hierárquica, sacerdotal e, em grande parte, autocrática. EM QUARTO LUGAR, contribuir para expandir a blogosfera, quer inaugurando nosso próprio blog, quer ajudando outras pessoas a adquirirem essa efetiva condição de inclusão digital, quer criando ambientes interativos e programas que sirvam para agregar blogs por temas de interesse. Vejam que somente aqui falei de rede digital. E vou explicar por que. Em abril de 2006, o relatório do Technorati – "S tate of the Blogosphere" – já dava conta de 37,3 milhões de blogs, dobrando de tamanho a cada 6 meses. A blogosfera já era então 60 vezes maior do que há 3 anos. Um novo blog era criado a cada segundo, todo dia. E, nesses blogs, 50 mil novas postagens eram feitas a cada hora. Em outubro do mesmo ano, já eram mais de 57 milhões de blogs, and counting... 100 mil blogs eram criados a cada dia e o conjunto dobrava de tamanho a cada 230 dias. Quais serão as conseqüências políticas da emergência da blogosfera?A chamada blogosfera – o conjunto crescentemente interconectado de todos os blogs: abreviatura de weblogs, sistemas de publicação de conteúdos na web que segue a estrutura post- link-comentário – constitui realmente, como observou o ciberativista David de Ugarte no ano passado, "o primeiro grande meio de comunicação distribuído da história, no qual desaparece de fato a capacidade de filtro: eliminar ou filtrar um nodo ou um conjunto de nodos não impedirá o acesso à informação. Ao contrário do sistema informativo descentralizado nascido do telégrafo, é impossível derrubar pontes [obstruir caminhos] e controlar a informação que chega aos nodos finais mediante o controle sobre alguns emissores... [Com a blogosfera] as mudanças na estrutura da esfera informativa colocam em xeque o sistema de representação política... Sob a emergência das redes distribuídas se desenha uma nova perspectiva social e política: um mundo de fronteiras esfumaçadas, sem mediadores profissionalizados e "necessários", sem elites filtradoras "insubstituíveis". A blogosfera avança características do que serão as novas formas de organização política..." (cf. http://www.deugarte.com/gomi/el_poder_de_las_redes.pdf).


Diz-se que tais previsões (e hoje já são quase constatações) entram em conflito com a realidade da exclusão digital de bilhões de seres humanos. Assim, a taxa de crescimento dos blogs verificada até agora decrescerá por força do limite imposto pelas condições econômicas e culturais dos usuários; logo, as conseqüências políticas da emergência da blogosfera só se farão sentir em um futuro muito distante. Mas será? Não bastaria que uma porcentagem significativa da população estivesse conectada na blogosfera para que o efeito desse ambiente informativo distribuído se fizesse sentir no conjunto da sociedade? (Um blogueiro em cada conjunto de cinqüenta residências – uma pequena quadra urbana – significa 24 milhões de blogs: ora, já ultrapassamos o dobro desse valor). Além disso, mesmo que a blogosfera não chegue a abarcar a maior parte da população, ela continuará crescendo – como já assinalei – com a convergência de tecnologias de informação e comunicação no telefone celular, que incorporará programas de e-mail e do qual se poderá operar blogs conectados a outros blogs, ou seja, ter acesso à blogosfera, sem computador inclusive. As conseqüências políticas do crescimento da blogosfera são difíceis de se prever agora. No entanto, como parece óbvio, a principal delas será a transformação do sistema de representação, isto é, de delegação de poder, tal como hoje se configura, abrindo caminho para novas formas de democracia. EM QUINTO LUGAR, multiplicar as oportunidades e ampliar os processos de educação e de capacitação política baseados na democracia. Sim, sobre isso imagino que temos também amplo acordo. Não tivemos experiência suficiente de democracia e nem muitas oportunidades de aprender o que é democracia. Nem a chamada direita, nem as esquerdas que lutaram contra as ditaduras getulista ou militar, tiveram aprendizagem de democracia. Como escrevi outro dia (22/03), no artigo "A 'Síndrome' de Chico Buarque", " duas gerações inteiras de brasileiros (ou, se quisermos, três: dos nascidos entre 1945 e 1985 – que já puderam votar em Lula em 2002) aprenderam que era preciso recusar a ditadura mas não aprenderam o que era necessário para construir a democracia. Os que nasceram nas décadas de 1940 e 1950 e entraram na universidade nos anos 60 e 70 foram induzidos a rejeitar o imperialismo norte-americano, a admirar a União Soviética ou a China ou Cuba; mas nada de democracia. Com a queda do Muro de Berlim, os que nasceram no início dos anos 70 e entraram na universidade a partir de 1990, foram "educados" a rejeitar o novo satã chamado neoliberalismo (durante a década de 1990 a academia resolveu fugir do mundo para constituir-se quase exclusivamente como palco de uma nova cruzada ideológica contra o "Consenso de Washington" e contra, é claro, seu suposto representante no Brasil: o governo FHC); mas, igualmente, nada de democracia". Eu mesmo, que combati o regime militar de 1964, não tinha a menor idéia da democracia como valor, nada sabia de seus pressupostos e sequer imaginava as suas relações intrínsecas com os padrões de organização em rede e com as mudanças sociais que hoje interpretamos como desenvolvimento ou sustentabilidade. Se tivéssemos vencido o combate que movemos contra o regime dos generais, provavelmente não teríamos assistido a transição democrática de 1984-89 e estaríamos vivendo hoje em um regime mais autocrático do que o atual.