quinta-feira, 18 de outubro de 2007

A preguiça dos descontentes e a oposição de controle remoto


Por Ucho Haddad (*)


Disse minha saudosa avó, certa vez, que no mundo existiam – e ainda existem – quatro assuntos indiscutíveis. A mulher ideal, o dentifrício preferido, o time de futebol do coração e política. Por ocasião de tal discurso, que confesso me soou absolutamente estranho, cheguei a pensar que se tratava de um impropério qualquer, mas o tempo passou e conclui que aquela velha senhora estava coberta de razão. A maturidade chegou e deixei de discutir tais temas, até porque o resultado sempre leva a um abismo conclusivo.


Há muito não sou abduzido por discussões políticas, pois a exemplo do que acontece com a seleção brasileira, o Brasil tem 190 milhões de técnicos de futebol e políticos com soluções inovadoras e definitivas. Sendo assim, prefiro passar por desentendido a mergulhar em um acalorado entrevero verbal sobre algo quase que sem solução. Mesmo assim, há dias aceitei a provocação de um conhecido, não para mostrar o que o exercício do jornalismo político me evidencia, mas apenas para medir o grau de comprometimento dos descontentes na busca de uma solução político-administrativa para o País. Se é que existe algum grau de comprometimento.


Quando a esquerda tupiniquim desembarcou no cenário político nacional depois da anunciada redemocratização do País – digo anunciada porque nos domínios verde-louros jamais existiu democracia – o direitismo burro e autoritário imaginou ser aquele movimento nada mais que um devaneio de um grupelho de idealistas, que tinha na outrora soviética Moscou o modelo ideal de vida política. E deu no que deu. Tem ladrão de banco dando ordem e seqüestrador posando de poderoso, sem contar os alcagüetes que exalam inocência.


O tempo passou, e a cubanização do Brasil caminha a passos não tão largos, como ocorre na Venezuela, porém contínuos. Quem analisa separadamente as ações do governo de Luiz Inácio Lula da Silva e, na seqüência, os reúne sob a ótica político-ideológica, logo percebe que está em marcha um processo de autoritarismo socialista, que tem na distribuição equânime da miséria o seu cardápio principal. Enquanto esse processo é instalado de maneira silenciosa, os comandantes desse projeto criminoso de poder se entopem de dinheiro, como se o mundo fosse terminar amanhã.


Tomando o mensalão como ápice da corrupção do governo Lula da Silva, é preciso compreender que esse esquema indecoroso de cooptação de parlamentares, que passou pelas mãos do publicitário (sic) Marcos Valério, tinha, sim, o aval dos inquilinos Palácio do Planalto, a começar pelo principal de seus ocupantes. Admitir à opinião pública o conhecimento de tão lamacenta operação seria não apenas o fim de uma carreira política, mas o sepultamento de um projeto de perpetuação no poder.


Muito burramente, os anti-Lula, que jamais tiraram o “derrière” da cadeira para qualquer coisa, continuam acreditando que o mensalão foi a estocada derradeira contra a turma que adotou a bandeira do socialismo como escudo para a roubalheira que se pratica nos escaninhos oficiais do poder. Cabisbaixos por conta de uma suposta vergonha advinda do envolvimento no mensalão, os aduladores do presidente-metalúrgico simplesmente gargalham nos bastidores, pois a sanha do eleitorado oposicionista foi facilmente neutralizada pela armadilha rouge instalada no meio desse lamacento caminho.


Enquanto os acomodados críticos do governo Lula crêem no desmonte do Partido dos Trabalhadores, os petistas continuam agindo de maneira impressionantemente contínua. Com uma estrutura profissional e militar, o PT tem na sua militância hierárquica uma de suas mais eficientes armas para a conquista definitiva do Estado. De suicidas cibernéticos, que açoitam de maneira chula os críticos do governo de Luiz Inácio, a graúdos que fazem da intimidade com o poder uma espécie de cornucópia dourada, o PT vai muito bem obrigado. E agradece àqueles que pensam que não.


Se por um lado a imprensa carece de manchetes cada vez mais escandalosas, por outro a sociedade, acomodada e impotente, esfrega as mãos a cada novo escândalo que surge no cenário político nacional, não sem antes deixar escorrer a saliva venenosa da desforra. Quem anda pelo Brasil percebe a vontade quase animalesca do eleitor de querer fazer de Renan Calheiros uma espécie de boi de piranha dessa evidente crise institucional, instalada homeopaticamente como parte de um plano traçado com a devida e maquiavélica antecipação. O que não significa em nenhum momento que o alagoano Renan seja candidato a querubim.


Com um Congresso bicameral, ao Palácio do Planalto restaram duas opções distintas, porém simultâneas. A primeira delas, mais cara e fácil, foi cooptar, ao custo de cargos de segundo escalão e liberação de emendas, os parlamentares da Câmara, o que permitiu à horda palaciana ali instalar uma espécie de rolo compressor virtual, que entra em ação todas as vezes que está em votação uma matéria de interesse do governo federal. Do outro lado do Congresso, no Senado Federal, a estratégia foi a mesma adotada nos golpes que fazem com que a ditadura substitua a democracia. Ou seja, o achincalhe do Poder Legislativo como justificativa de manipulação do Congresso ou, até mesmo, o seu imediato fechamento. E pesquisas de opinião já apontam para tão preocupante quadro.


A crise advinda do escândalo Renan Calheiros interessava ao Palácio do Planalto, mas o imbróglio durou além do esperado. Para contornar o inusitado, Lula, que disse ser a tal crise de responsabilidade do Senado, entrou em cena para ejetar do cargo de presidente da Casa o aliado Renan Calheiros. Agora, com Renan fora do páreo e com a desculpa de que sua volta à presidência do Senado comprometerá o andamento dos trabalhos legislativos, o Planalto oferecerá o alagoano aos leões da política botocuda.


Por mais culpado que seja Renan Calheiros – e tudo o que aí está não deixa dúvidas – sua permanência na presidência do Senado era ao mesmo tempo um empecilho político e uma espécie de tábua de salvação para um povo que está caminhando na direção de uma ditadura socialista. Claro e cristalino está que aquilo que foi combinado com Renan não será cumprido, e isso certamente gerará uma crise institucional sem precedentes, pois quem bem conhece Alagoas sabe que os nativos de lá normalmente caem atirando. Pode até ser que Renan Calheiros caia e espere um pouco para dar o troco, mas é certo que um contra-ataque virá mais cedo ou mais tarde. E aí sim o Brasil estará no fio da navalha, pois ou Renan atira na direção do Palácio do Planalto, ou acaba de arruinar a nesga de moralidade que ainda resta no Senado. Caso prevaleça a segunda opção, o caminho estará livre para o presidente-metalúrgico tentar um terceiro mandato.


Acostumada a discursos oportunistas, que não passam de uma mambembe discussão de quintal de periferia, a oposição brasileira jamais foi tão pífia e incompetente. Um país que sonha em ser uma grande nação, sem abandonar a democracia, carece de oposição republicana. E não desse bate-boca chicaneiro que tem tomado conta dos plenários da Câmara e do Senado. Acostumado com o status de situação, o oposicionismo atual tem demonstrado fraqueza política até mesmo para contestar o que lhe impõe o Palácio do Planalto. Mesmo assim, os fúteis e inflamados discursos oposicionistas têm levado os críticos de Lula da Silva ao delírio, como se o presidente desse alguma importância ao que asperge das tribunas do Congresso.


O fato é que já não se faz mais oposicionista como à época do impeachment de Fernando Collor. Os descontentes atuais, os anti-Lula, querem uma revolução imediata e sem esforço algum. Acreditam que podem defenestrar Lula do poder através da internet ou, então, com conversas ufanistas em restaurantes caros e elegantes nas mais importantes cidades brasileiras. Falam de boca cheia que o PT esfarelou, embalados por goles milionários de champanhe francês ou uísque escocês. Na primeira manifestação anti-Lula que surge, por obra e graça de algum abnegado, deixam de comparecer ao evento sob a desculpa de que têm coisas pessoais para cuidar. Se a oposição de hoje jamais soube o significado de seu papel, a porção descontente do eleitorado é acomodada e foi tomada pela síndrome de Aladim.


E não será novidade se no dia da morte de Fidel Castro seja decretado feriado nacional em nossa querida e bagunçada Botocundia. Até porque, gênio e preguiçoso é o que não falta por aqui.


(*) Ucho Haddad, 48, é jornalista investigativo, colunista político, poeta e escritor. Editor do www.ucho.info, é articulista do site do jornalista esportivo Wanderley Nogueira (www.wanderleynogueira.com.br), do Inforel (www.inforel.org) e da Gazeta do Oeste (http://gazetaoeste.com.br)