domingo, 20 de maio de 2007

CONGESTIONAMENTO DO CENTRO E AGENDA CONJUNTURAL: O JOGUINHO POLÍTICO DO REINADO DE LULA II


Por Paulo Moura, cientista político


Desde a eleição de Collor para a Presidência da República, em 1989, três ingredientes passaram a integrar a cena política nacional:a) O paradoxal desencadeamento de um processo de desmonte do Estado patrimonialista, curiosamente impulsionado por um descendente das oligarquias políticas tradicionais à testa desse mesmo Estado;b) O agendamento da política brasileira com uma pauta de Reformas Estruturais liberalizantes, que remetia o centro do jogo político para um conflito entre reformadores e defensores do Estado patrimonialista (convenientemente maquiado pela aparência de um conflito “direita versus esquerda”); e,c) A centralidade do papel exercido pelo Partido dos Trabalhadores no jogo político, pois, mesmo na oposição, era o PT quem dividia como os sucessivos governos, desde a eleição presidencial de 1989, o protagonismo do jogo do poder.Desses três ingredientes, vigora apenas o terceiro, e, mesmo assim, sob condições e circunstâncias completamente diferentes.


A grande novidade, que provocou a mudança da configuração do jogo político nacional, está na guinada ao centro que o PT assume para chegar ao poder sob o comando de Lula e José Dirceu. O conteúdo da mudança provocada pelo reposicionamento do PT é o deslocamento do eixo dos conflitos políticos de uma dinâmica percebida como sendo de “esquerda versus direita”, para uma dinâmica de congestionamento do espaço ao centro do espectro ideológico do mercado político-partidário. Hoje, somente o partido Democratas está fora desse espaço. Os tucanos, para variar, estão com um pé dentro e outro fora. Tudo indica, porém, que os pupilos de FHC estão loucos para descerem do muro do lado errado, engrossando as fileiras do adesismo fisiológico que marca o comportamento predominante na classe política brasileira. Quatro anos na oposição, alguns até agüentaram.


A maioria não sobrevive sem mamar nas tetas do Estado patrimonialista. Excluídos os partidos de extrema esquerda, congenitamente anti-sistema, sobraram apenas cerca de 80 parlamentares de oposição na Câmara e no Senado, se tanto.O jogo político concentrado no miolo do espectro partidário-ideológico é medíocre, rotineiro, previsível, tradicional, despolitizado e sem emoções. O foco da maioria é apenas permanecer no poder. Nada de inusitado se pode esperar. Até mesmo os futuros escândalos de corrupção são previsíveis, assim como a renovada impunidade dos corruptos.


A pauta do segundo mandato de Lula é a consolidação do retrocesso estatizante, se possível avançando medidas autoritárias que facilitem a preservação do novo status quo, em torno do qual o consenso é fácil, tanto entre a classe política com na sua base social. A distribuição de dinheiro público em espécie para suas bases sociais e políticas é a marca do jogo tático.Não há resistência política e social a essa agenda retrógrada, pois o combate ao estatismo possível, no atual contexto da política brasileira, é apenas de cunho ideológico. E, como ideologia não enche barriga e os defensores de um Estado menor, mas eficiente e barato, restringem-se, no Brasil, a uma minoria sem penetração social e sem representação no sistema político. As cartas estão do jogo, estão marcadas e os vencedores definidos. Até mesmo o Democratas abandonou a agenda liberalizante; rendendo-se a um posicionamento político de centro, ainda que ideologicamente conservador em termos da defesa de valores morais (contra o aborto, por exemplo).Em todos os aspectos, Lula é herdeiro, continuador e aprofundador de FHC.


O petista descobriu uma fórmula política híbrida, através da qual assume a preservação do superávit fiscal, para agrado do sistema financeiro internacional, mas incha a máquina do Estado e repassa a conta para quem produz e trabalha, aumentando a carga tributária. FHC interrompeu a implementação da agenda liberalizante no exato momento de enfrentar o desafio da Reforma do Estado, deixando pavimentado o caminho para Lula engatar marcha à ré na agenda do desmonte do Estado patrimonialista e autoritário. O torneiro mecânico se mostra mais competente no jogo do poder, do que o príncipe dos sociólogos.Apenas na questão da privatização FHC e Lula são diferentes. As privatizações de Lula são virtuais.


O petismo não vende o patrimônio presente; apenas as concessões futuras de serviços públicos, e mesmo assim por falta de cobres nos cofres do Estado para bancar os investimentos. Na contramão do necessário, a lógica do petismo é recriar órgãos extintos; contratar mais e mais funcionários e criar novas empresas e órgãos públicos para empregar a companheirada e acomodar os adesistas e fisiológicos da sua base parlamentar.Aderindo ao sistema que antes contestava e adotando esse jogo tático-estratégico e essa agenda, o petismo deixou de assustar seus ex-adversários entre as classes política e empresarial. Diz-se que em política só não se compra o tempo. Tenho minhas dúvidas. Lula está comprando o futuro, no qual prosseguirá no poder, mesmo fora da Presidência da República. Afinal, agradando a tanta gente, quem irá contestá-lo? Quando a conta da mediocridade política bater no bolso dos seus adoradores de hoje, a culpa será dos sucessores de Lula, amanhã. Lula ficará na memória popular, postado ao lado de Getúlio Vargas, como o novo “pai dos pobres”. Pobres coitados, que pagarão sem saber, por ação ou omissão, a conta de seu auto-engano.