domingo, 2 de dezembro de 2007

LÉXICO AUTORITÁRIO


Editorial no Correio Braziliense

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva conduziu para o terreno do conflito político incivilizado e da verbalização inconseqüente o debate em torno da emenda constitucional que prolonga até 2011 a cobrança da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) e a vigência da Desvinculação da Receita da União (DRU). A proposta em exame final no Senado encontra resistência severa da oposição, em particular da bancada do Democratas (DEM).

Irritado com as manobras de adversários para derrubar o imposto do cheque na Câmara Alta, Lula recorreu a léxico de índole autoritária para qualificar a conduta do partido que mais se opõe à emenda. "O DEM — disparou — torce todo santo dia para as coisas não darem certo neste país (…). Na verdade, quem tem medo da CPMF é quem sonega impostos." O destempero presidencial, em discurso pronunciado em ato público realizado em Colatina (ES), não poderia ser mais insultuoso.

Leitura crítica da conclusão a que chegou o presidente abre espaço a interpretação desqualificante, a de que o DEM estaria a serviço de fraudadores de tributos. Se a exasperação presidencial não for recebida como injuriosa, é o caso de considerar cúmplices de sonegadores os milhões de brasileiros que, como o DEM, são contrários à CPMF. E em tal contingente cabem, sobretudo, o empresariado e os trabalhadores.

Ensina a sabedoria popular que quem não pensa o que diz ouve o que não gostaria de ouvir. Em nota vazada em termos de extrema contundência, o DEM replicou a repreensão audaciosa de Lula: "Não é um presidente que mente de forma cínica e governa de costas para o país que vai definir o futuro do país ou o futuro do DEM". Assim, governo e oposição resvalam para o plano do confronto abjeto e convertem em bate-boca vil a convivência democrática.

Entre as dezenas de incidências fiscais que gravam de forma insuportável a produção econômica, a CPMF é das mais perversas. Recai sobre toda a cadeia dos bens suscetíveis de valor agregado e suga em feitio de cascata os ativos em circulação no sistema financeiro. Calcula-se que, em 2008, se aprovada, os contribuintes estarão obrigados a inchar a receita da União em soma próxima dos R$ 40 bilhões.

Não resiste à contraprova dos fatos a noção de que a CPMF é necessária como instrumento capaz de identificar sonegadores. Em outros termos: fornecer ao fisco nome dos infratores e valores sonegados. O Banco Central e a Receita Federal dispõem dos registros de movimentação financeira que os habilitam a ter acesso às mesmas informações.

Mas, admita-se só para efeito de argumentação: se a CPMF é indispensável ao controle fiscal, como Lula imagina, poderia cumprir semelhante função com taxa mínima — 0,01%, por exemplo. Ele se engana não só quanto à serventia do tributo como empana a respeitabilidade presidencial quando trata a oposição de forma truculenta.


Folha de S. Paulo

Rejeitam um terceiro mandato consecutivo ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva 65% dos brasileiros, revela pesquisa Datafolha realizada entre os dias 26 e 29 de novembro. Em nenhuma das regiões do país, nem mesmo no Nordeste, onde é mais bem avaliado, essa hipótese contaria com o apoio da maioria da população. O Datafolha perguntou aos entrevistados se concordariam com uma mudança na lei para dar o direito a Lula de concorrer a um terceiro mandato em 2010. Apenas 31% apoiariam a idéia.

Foram entrevistadas 11.741 pessoas, em 390 municípios de 25 Estados. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.

A proposta de terceiro mandato não é acolhida pela maioria nem quando o questionamento é genérico, sem citar Lula. Para 63%, presidentes não devem ter esse direito. O percentual sobe para 66% quando se trata de governadores e vai a 67% no caso de prefeitos.

O terceiro mandato é defendido por setores petistas e provoca temores na oposição. Publicamente, tanto Lula quanto a direção do PT negam a intenção de trabalhar por uma mudança constitucional com esse objetivo. Em entrevistas recentes, Lula revelou o desejo de voltar à Presidência. Em 2014. Mas o PT não tem hoje nomes competitivos para disputar 2010, primeira eleição desde 1989 sem Lula na cédula.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) elegeu como prioridade o combate ao terceiro mandato. Fez discursos inflamados no 3º Congresso do PSDB, na semana retrasada, e criticou ações do governo Lula que, na sua avaliação, atentam contra a democracia. O PT revidou, lembrando que o tucano trabalhou para aprovar a mudança constitucional, em 1997, que lhe garantiu o direito à reeleição. Em 1994, a revisão constitucional já havia reduzido o mandato de cinco para quatro anos.

Rejeição generalizada

O terceiro mandato a Lula é amplamente rechaçado, segundo a pesquisa, entre os brasileiros mais escolarizados - 78% com nível superior dizem não à idéia - e renda familiar mensal mais elevada. Entre os que recebem acima de 10 salários mínimos, 76% não querem a chance de uma nova eleição para o atual presidente.

Mesmo entre os que têm níveis educacionais e de renda mais baixos a proposta não conta com boa aceitação. Para 58% daqueles com renda familiar de até dois salários mínimos e para 58% dos que têm só o ensino fundamental, Lula não deve disputar outro mandato após oito anos no poder.

Só Pernambuco daria legitimidade a uma mudança na Constituição a favor de uma nova reeleição presidencial: 51% apoiariam a proposta. Curiosamente, é o Estado natal do petista - o presidente nasceu em Caetés, então distrito de Garanhuns. Porém, para 46%, a lei deve ficar como está.

No Sul do país, a rejeição ao terceiro mandato aumenta. No Paraná, 73% são contra a idéia; no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, 72%.

Já no Nordeste, uma mudança legal que abriria a porta ao terceiro mandato é mais bem digerida do que nas demais regiões: 58% rejeitam a idéia e 38% a apóiam. No Sudeste, 67% são contra; na região Sul, 73%.

Partidos

A pesquisa confirma o confronto PT versus PSDB. Entre os entrevistados cujo partido de preferência é o PT, 51% acham que Lula deve disputar pela terceira vez em 2010, contra 47% que discordam. Quando o partido preferido é o PSDB, o cenário é radicalmente alterado: 83% são contra e só 15% dariam esse aval a Lula.

As bicadas entre tucanos e petistas por conta do terceiro mandato suscitaram até partidos políticos a elaborar nota oficial contra a idéia. Os então presidentes do PSDB, Tasso Jereissati (CE), e do PT, Ricardo Berzoini (SP), a assinaram, assim como dirigentes do PMDB, DEM, PP, PSB, PC do B e PSC.

A discussão sobre o terceiro mandato quase azedou de vez a votação da prorrogação da CPMF no Senado. No início do mês passado, Lula chamou ao Planalto o deputado Devanir Ribeiro (PT-SP), que articulava a apresentação de emenda dando ao presidente da República autonomia para convocar plebiscitos, entre eles um sobre o terceiro mandato. "Minha proposta não tem nada a ver com terceiro mandato", disse Devanir após o encontro com Lula.