segunda-feira, 11 de junho de 2007

O professor de Harvard




Desconfio de todo sujeito que não desconfia de intelectuais salvacionistas, em geral, e de intelectuais como Mangabeira Unger, em particular. O professor Unger, que leciona na Universidade de Harvard, tendo em vista o seu complicado ingresso nas hostes do governo tem sido o prato predileto do noticiário dos jornais e das análises dos chamados “formadores de opinião”. O plot dramático da questão diz respeito à prevalecente contradição ética entre o sujeito que considerou o governo Lula como “o mais corrupto da história”, ao tempo em que luta como um cão danado para servir a este mesmo governo. Lula, de início, diante do contraditório, deu uma de “superior”: não satisfeito com a existência de 36 ministérios - nos quais colocou dezenas de milhares de “companheiros de viagem” -, criou uma Secretaria de Ações a Longo Prazo, a Sealopra, diretamente vinculada à presidência da República, para atender o reclamo empreguista da base aliada e, o que é pior, prever, analisar e construir o “futuro do Brasil”.



O nome indicado pelo vice-presidente Alencar e membros do governo para cumprir tão fantasiosa tarefa foi justamente o de Mangabeira Unger, cientista político, articulista da Folha de São Paulo e neto do velho Otávio Mangabeira, antigo governador da Bahia e ministro das Relações Exteriores – que o Barão de Itararé chamava algo debochadamente de Oitavo Manga a Beira do Abismo, devido ao fato de ter sido exilado algumas vezes pela vontade ditatorial de Getúlio Vargas – a quem o mesmo Itararé chamava de G. Túlio Dor Nelles Vargas. A trajetória do professor Mangabeira é no mínimo curiosa. Depois de escrever livros transbordantes de tessituras críticas ao impasse do desenvolvimento brasileiro, sempre adotando uma postura messiânica, se fez, no final dos anos de 1980, mentor político de Leonel Brizola, o homem das “perdas internacionais”, na época candidato à presidência da República. Com a derrota do caudilho, o professor de Harvard, na virada do século, sempre na vã esperança de consertar o Brasil, tornou-se guru do agora lulista Ciro Gomes, o homem que Collor de Mello, em certa ocasião, disse não ter “aquilo roxo”. Com a derrota de Ciro Gomes em 2002, o visionário Unger ficou à deriva, voltou aos Estados Unidos para não perder o forte sotaque ianque e, de lá, mais uma vez delineou saídas miraculosas para a crise brasileira. Como solução do impasse crítico, ele apontava a necessidade de se partir para o desenvolvimento de “uma produção solidária”, que nos levasse ao patamar de uma “concorrência flexível e inovadora”.



O professor afirmava peremptório que seria de bom alvitre o uso da “imaginação e da coragem”, tendo como mola propulsara a “mobilização da classe média”, para, só então, “se chegar ao povo como centro de gravidade”. Num linguajar metafórico, Unger reverberava sobre a importância de se “romper como a múmia” e da urgência, para superar a crise nacional, de se “morrer de uma vez” – seja lá o que isso venha a significar. Embora o receituário do professor de Harvard mencionasse a obrigatória “mobilização da classe média” para a “reorientação espiritual do país”, o fato concreto é que o seu projeto alternativo passava (e passa) pela “decisiva intervenção do Estado”. Para o luminar de Harvard, só com a presença do Estado seria possível “demarcar os caminhos que levam a reconstrução institucional e, daí, ao pleno desenvolvimento”. Em suma, por trás da postura incisiva e do tom acadêmico imperativo, o que a pretensiosa ciência política de Mangabeira Unger preconizava (e preconiza, até hoje) era e é o mesmo xarope receitado por qualquer vereador semi-analfabeto de Cuxixola ou Catolé do Rocha, no interior da Paraíba: mais governo, mais leis protecionistas e mais impostos.



Como qualquer sujeito vivido na manha estatizante percebe, o desenvolvimento a partir de qualquer projeto futurista de engenharia social é simplesmente improvável de acontecer. O planejamento estatal para o desenvolvimento a curto, médio ou de longo prazo é, quase sempre, uma balela para enganar trouxas e justificar ambições políticas de manutenção e conquista do poder – como parece ser o caso em foco. Querem um exemplo do que afirmo? Pois ai vai: a Rússia e os países que formavam a antiga URSS, depois de incontáveis planos qüinqüenais, elaborados por “cabeças” burocráticas tidas como invejáveis, continuam ainda hoje subdesenvolvidos ou em eterno estágio de “emergência” – muitos deles sem solucionar sequer o problema da cesta básica. As planejadas sociedades de Cuba, Vietnã, Coréia do Norte, Venezuela (apesar do Petróleo) e a própria China (que cresceu apenas em cinco grandes províncias depois da adesão à “anarquia” da economia de mercado), continuam com baixo padrão de vida, baixa eficiência dos serviços e oferta de mão-de-obra farta, mas desqualificada. Pelo que informam os jornais, a nomeação de Mangabeira tornou-se problemática não por que tenha considerado o governo Lula “o mais corrupto da história”, coisa que todos sabem, mas porque o cientista político processou a Brasil Telecom, empresa que tem fundos de pensão de estatais como acionistas, o que irritou o ocupante do Planalto. (O professor Unger queria meter no bolso R$ 2 milhões da telefônica, por salários não pagos). Nada disso transcende ao fato de que, no fundo, Lula e o homem de Harvard não passam de farinha do mesmo saco. Um pela força da demagogia, o outro pelo pretensioso discurso acadêmico, os dois tem como objetivo comum manter dependente uma população historicamente submissa, a viver secularmente à espera de fantasiosas promessas governamentais desde que o Brasil é Brasil. Ia escrever que só a força do trabalho e a capacidade criativa do indivíduo e da sociedade geram o crescimento, mas acabou o espaço. Fica para outra ocasião.